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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Artigo de Psicologia - O Orgulho

“Nos tempos da Dinastia Sui, nas terras do  imperador Yang Jian, vivia um mestre chinês, Jian Da-Hong, sexagenário, e seus dois discípulos favoritos:  Shen Zhu-Nai e Jin-Luan, dois adolescentes. Eles tinham sido entregues aos cuidados do mestre Da-Hong quando tinham sete anos, após terem perdido os pais em conflitos bélicos a serviço do imperador. Os garotos haviam sido submetidos a duras provações, experiências de desamparo e até ameaça de morte, antes de serem finalmente acolhidos, aprenderem com a Vida e com mestre, terem crescido e se reconhecerem homens feitos. Embora diferentes, as vivências traumáticas eram similares no sofrimento que causaram.  

Os anos se passaram e os garotos se transformaram em homens mduros e virtuosos. Ambos formaram família e viviam bem. Havia, no entanto, uma diferença muito visível para mestre Hong e todos que conheciam os dois discípulos dele: Shen Zhu-Nai, conquanto tivesse se empenhado em ser homem esclarecido, cumpridor das leis, obediente ao mestre e aos ensinamentos por ele passados, e apesar de viver confortavelmente e ter superado todas as adversidades da infância, parecia amargurado, tinha sempre o semblante duro e agia sempre com muita secura, desconfiado das intenções de todos que dele se aproximavam. Vivia angustiado, permanentemente atormentado pelo desejo de autossuperação e de atingir a perfeição em tudo que fazia.

Jin-Luan, ao contrário, se mantivera doce, amistoso, de fácil convivência, igualmente virtuoso, mas sem cobrar isso das outras pessoas; desenvolveu uma capacidade maior de não julgar os outros e de aceitar as diferenças. Também tinha feridas emocionais antigas que insistiam em se fazerem presentes, mas não culpava o mundo pelas duas dores.

Um dia, angustiado como sempre, Shen Zhu-Nai foi conversar com o mestre:

- Mestre, não entendo… tudo está bem, não tenho grandes problemas, mas apesar disso sinto muito desconforto, me sinto aprisionado a algo, como se alguma coisa me mantivesse cativo, me impedindo de sentir leveza, me privando de expressar algo dentro de mim que não sei o que é. O que pode ser?

O mestre manteve-se calado, com o olhar fixo numa ave que cantava próximo à janela.

- Mestre, está me ouvindo? Por que não me responde?

O mestre permaneceu imóvel e calado. Passados alguns minutos o discípulo fez o costumeiro gesto pedindo para sair e só então o outro homem reagiu e falou:

- Shen Zhu-Nai. Espere. Quando pensou em se afastar um pensamento invadiu sua mente, acompanhado de sentimento similar. O que pensou e sentiu Shen, ao me ver calado diante de sua queixa?

_ Senti-me humilhado. O senhor pareceu ignorar minha dor, mesmo eu tendo lhe confiado inquietação tão íntima.

- Por que sentiu-se humilhado e não apenas impaciente ou  irritado com meu silêncio, o que seria normal? Por qual razão eu iria humilhar você?

_  Não sei, mestre,  julguei mal sua reação; perdoe-me.

_ Não preciso do seu pedido de perdão porque você não me ofendeu. Desejo apenas que você entenda o que orienta seus pensamentos e suas emoções.  Vou lhe confiar um segredo: há pouco Jin-Luan veio a mim com uma queixa semelhante a sua e eu agi da mesma forma: me mantive em silêncio. Diferentemente de você, ele esperou longo tempo compartilhando pacientemente do silêncio comigo até que, desejando não incomodar, me pediu permissão para sair, sorrindo docemente. Eu perguntei o que ele estava pensando sobre o meu silêncio e ele respondeu-me:

- Suponho que o senhor deseja pensar mais sobre o assunto ou espera que eu descubra a resposta sozinho. Nos dois casos, mestre, devo me ausentar. Eu consenti que ele saísse, prometi que o chamaria quando tivesse a resposta que ele buscava. Mas ele não sentiu-se humilhado. Que nome você dá a sua reação?

- Orgulho ferido?  Perguntou o rapaz.

_ Sim. Mas além do orgulho há outra erva daninha plantada no seu coração que ainda cresce: o sentimento de menos valia. Perceba que esse sentimento, que vou chamar de Sentimento de Inferioridade existe em vocês dois… e precisamos acabar com isso. Mas me chama a atenção a diferença de reação. E a sua dureza. Estou convencido de que a ausência de doçura em você é resultado de um forte sentimento de orgulho. A pessoa orgulhosa, Shen, sempre acha-se muito valiosa, merecedora de toda a atenção e de todas as benesses do universo. Costumam ser pessoas muito inteligentes, assim como você, mas superestimam o próprio merecimento. Quando a resposta desejada não vem, porque não há pessoas melhores que as demais, efetivamente, o orgulhoso se ressente, se magoa, sente-se humilhado, ferido em alguma parte muito profunda de si mesmo. Tanto quanto você, Jin-Luan  foi maltratado pela vida; sofreu e chorou. E como você, superou todas as adversidades, mas sem perder a doçura. Por que? Porque tem menos orgulho que você. Para ele está mais fácil conquistar a sensação de leveza, desejada também por você. A ele basta desvencilhar-se do passado, das feridas de infância que ainda sangram e são a causa do sentimento de menos valia dele. No seu caso, além de lutar contra o persistente sentimento de inferioridade você ainda tem como inimigo o orgulho, a excessiva suscetibilidade diante da frustração, como se o mundo devesse curvar-se diante das suas necessidades e do seu senso de importância exagerados… O rapaz interrompe a fala do ancião e diz:

_ Mestre, eu entendo o que é o orgulho, mas não me considero orgulhoso… só conheço os meus direitos, sempre enxerguei o que me parecia ser meu por direito… O mestre corta-lhe a palavra e acrescenta:

- E sempre se ressentiu de o Destino ter-lhe negado tantas coisas na infância.

Parecendo sentir vergonha de reconhecer a verdade nas palavras do mestre, o rapaz calou-se.

- Peço-lhe que medite sobre isso, que avalie o quanto o orgulho ferido na criança do passado ainda está presente em você e veja como isso orientou as suas decisões inconscientes de isolamento e de autoproteção, construindo escudos e carapaças que lhe dão a aparência assustadora e por vezes aversiva, quando seu desejo é parecer doce e acolhedor, o que efetivamente você o é em essência. Percebeu, Shen, o que estou tentando lhe mostrar? Que a origem do sentimento de limitação, de aprisionamento é o escudo protetor que você próprio criou para defender-se de ter seu orgulho ferido? Que esse foi o mecanismo que adulterou sua essência e roubou de você a doçura? Livre-se do sentimento de prepotência, livre-se do orgulho e compreenda que  todas as pessoas, errando ou acertando, têm igual valor aos olhos do Universo, não importando as conquistas materiais e intelectuais que tenham acumulado. Na contabilidade do Universo contam mais as conquistas do sentimento, a ampliação de consciência.

O rapaz calou-se, desejando refletir sozinho sobre o que ouvira, e pediu permissão para afastar-se; queria meditar. O mestre consentiu, feliz, antevendo um início de caminhada produtiva na direção do autoconhecimento e da desejada paz interior.”

Com essas analogias estou tentando expressar minha percepção de que o Complexo de Inferioridade surge e cresce com vivências de desamparo e sofrimento intensos na infância e que a superação desse sentimento ou o disfarce dele ocorrerá por caminhos diferentes. Nas pessoas em que o orgulho atua como manifestação da Sombra de forma muito intensa, o indivíduo vai afastar-se da doçura, vai perder a leveza e alimentar um forte senso crítico como forma de autoproteção. Naquelas em que o orgulho é menor, embora igualmente desenvolvam o Complexo de Inferioridade, não perderão a doçura porque se sentirão menos aviltadas; não terão o sentimento, por vezes inconsciente, de que algo lhe foi “roubado” ou negado. Não acharão que as pessoas e o mundo lhe ameaçam. Essas precisam também livrar-se do sentimento de menos valia e terem a autoestima reforçada, mas é mais fácil para elas se abrirem para receber o que a Vida lhes oferece de bom.

* “O orgulho vos induz a julgardes mais do que sois, a não aceitar uma comparação que vos possa re­baixar, vos conduz a  vos considerardes, ao contrário, tão acima dós vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. E o que acontece, então? Entregai-vos à cólera.
(Allan Kardec. O Evangelho Segundo Q Espiritismo. Capítulo IX. Bem-aventurados os Brandos e Pacíficos. A Cólera.).

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